sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

A DESERTIFICAÇÃO DO INTERIOR ESTÁ A MODIFICAR PORTUGAL



A desertificação a que o interior de Portugal tem estado sujeito nos últimos anos está a revelar-se irreversível! As futuras gerações - num futuro bem próximo, com certeza - hão-de olhar para trás e sentir que muitos erros foram cometidos nas últimas décadas do Século XX e nas primeiras do Século XXI. Enquanto outros países da Europa fomentam e criam condições para o regresso das populações às cidades pequenas do interior e às localidades mais isoladas, em Portugal faz-se exactamente o contrário: em nome de uma falsa poupança, as políticas adoptadas pelo poder central induzem as populações da província a abandonarem os seus locais de origem e a migrarem para um litoral hostil. Isso vai ter – está a ter - implicações negativas na própria vivência das pessoas e das famílias: deixam de existir os laços fundamentais de coesão social, cultural e familiar.

Até há poucos anos atrás Portugal era um país essencialmente rural, poder-se-ia dizer que não haviam pessoas nascidas no «asfalto», as pessoas nasciam na província e só depois debandavam para as grandes cidades do litoral. A relação com a ruralidade e com tudo o que tinha a ver com a terra era por demais evidente. Nos anos 60 e 70 não havia agregado familiar que migrasse para os arredores das grandes cidades que não arranjasse maneira de ter a sua horta e os seus animais domésticos, normalmente galinhas, coelhos, patos... nas hortas cultivava-se batatas, cebolas, couves, feijão verde, tomate, etc.

Hoje já quase ninguém quer «perder tempo» a tratar da horta ou dos animais. O consumismo leva a que as pessoas comprem tudo nos hipermercados e há muitas crianças das cidades que nunca viram uma galinha ao vivo ou a rama de uma cenoura... Estes factores contribuem para um desenraizamento, para uma falta de identidade, para uma frustração e uma desmotivação das pessoas.

A vida das famílias nas grandes cidades é anti-natural. Os membros quase não falam uns com os outros, não há partilha, não há histórias para contar à noite à lareira ou ao luar, as pessoas preferem fazer os seus desabafos perante as televisões e os computadores.

O interior do país sofre com tudo isto: os campos ficam ao abandono, as florestas (e os incêndios) entram pelas aldeias porque ninguém as detém (as hortas deram lugar a florestas desordenadas), muitas casas começam a ficar degradadas porque as pessoas que lá vivem envelheceram e não têm possibilidades de fazer a manutenção necessária, as populações envelhecem a ritmo acelerado e deixa de haver interacção entre gerações mais novas e mais velhas.

Para mim, o grande problema de Portugal nas próximas três décadas será mesmo a desertificação do interior, e o mais grave é que as coisas estão a acontecer agora e ainda podiam ser alteradas! Fechar serviços na província é o maior erro político, social e cultural que foi praticado em Portugal nos últimos anos. O esforço deveria ir exactamente no sentido contrário: manter serviços (mesmo em baixa produção) que aliciassem as pessoas a ponderarem um regresso à terra – se não definitivo, pelo menos sazonal. Mas parece que vamos assistir impávidos ao desmoronar das nossas aldeias do alto dos edifícios modernaços dos centros comerciais das grandes cidades!

José Alex Gandum
Jornalista
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Este foi o artigo do ESPAÇO FUNDAMENTALIDADES
da Edição Setembro/Outubro de 2007
de VOZ DE RETAXO
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No inicío da próxima semana,
todos os assinantes irão receber
a 1ª Edição de 2008
de VOZ DE RETAXO
-- Elsa Sequeira --

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